16 de janeiro de 2009

Um começo, um fim, e nada no meio.

O espelho a observava e ela encarava-o de volta. Hoje, mais que nos outros dias, ele lhe dizia bonita, e dessa vez, não mais menina. Agora era moça feita, mulher da vida e não tão perfeita, mas é com essa beleza que havia de pagar o leito em que se deita. Ah, o começo... foi cometa! Moça nova no pedaço, era um pedaço de mal caminho: carinha de menina e corpinho colegial; como diziam os clientes: - Pneumática, nada, nada mal.
E Mirela fazia sucesso. O dinheiro entrava até mais que os próprios clientes. Ela tinha o que comer, onde dormir e agora não era só sobreviver. Seu preço escolhia os homens ao bel prazer e as noites eram mais por esporte do que simplesmente “fazer”. Agora Mirela se fazia, fingia não ser mulher da vida, ia à igreja e tinha moradia fixa. Não acreditava tanto nesse tal de Deus, mas se isso a fizesse parecer mais gente, mais decente, estava de bom tamanho.
No entanto, como as carnes de comer, que se conservam melhor no abrigo de um freezer, a esta altura nossa prostituta estaria mais segura se não ficasse exposta ao frio da rua. Como uma carne ao vento, seu corpo maltratado por um senhor chamando Tempo já não era mais o mesmo. Mirela não entende, porém, quando menos esperava, já estava grávida e doente.
Veio o filho, foram-se os clientes. Não tinha partido deste mundo e sua criança já ganhara a herança: tal qual sua mãe, era soro positivo, doença incurável; mais um sem esperança. Ainda freqüentava a capela, no entanto, já era conhecida, todo mundo já sabia: - Aquela ali, mulher da vida – e mal sabiam que era de uma vida que Mirela precisava.
“O Cristo que me pregam nem era tão bom assim”, pensava. Ganhara e perdera a vida exatamente como Ele, porque havia de ser pior? A vida inteira o pão foi de seu corpo, e o vinho era o sangue, o mesmo sangue, nos mesmos dias do mês, toda vez. Era este vinho que a fazia recordar seu eu mulher, que desperta o desejo e lhe trazia o dinheiro.
“O Cristo que me pregam nem era tão bom assim”, não cansava de repetir. “Igualzinha a Ele, findo-me numa cruz, numa encruzilhada, tão pesada quanto.” Com um filho pra sustentar, lá se vai mais uma prostituta das esquinas desta vida, doente, em dívida, ofendida. E sem um Deus que lhe baste para acreditar.
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Da época do cursinho.
O tema era prostituição, e a proposta era que se fizesse uma narração. A avaliadora gostou bastante, mas não aceitou, já que acabei fazendo uma narração 'com sonoridade', e isso não é permitido no vestibular...

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