23 de dezembro de 2009

A resposta:

Como descobri o meu menininho

Da primeira vez que o vi, ele era, pra mim, igual a cem mil outros garotos. Eu sei que ele não se lembra disso, mas a minha memória guarda ainda uns pequenos detalhes daquele dia. Recordo de um rapaz (ainda não sabia que era apenas um menino), ele devia ter os seus dezoito anos e tinha todo o cabelo raspado. Não sei bem o porquê, mas a imagem dele com uma câmera emprestada na mão, tirando fotos daquela festa, ficou guardada na minha cabeça. Tudo bem, admito: a minha memória é melhor do que a dele. Mas, sinceramente, não encaro os pequenos esquecimentos como coisas totalmente negativas. Esquecer, às vezes, é necessário. Com toda a minha capacidade de guardar acontecimentos, chego a lembrar de coisas das quais gostaria de esquecer.
O rapaz da máquina emprestada me chamou a atenção da primeira vez que o vi, mesmo ele não notando. E então, eu fui embora e ele ficou. Nada de diferente, a impressão passou, pelo menos até a próxima vez em que nos encontramos. Confraternização de universitários. Calouros e pré-calouros perdidos em meio a veteranos adaptados ao ambiente de música alta e muita cerveja. Confesso que estava um pouco desorientada. O convite induzia ao uso de alguma fantasia, mas, como eu sabia que ninguém ia aderir à brincadeira, eu escolhi o meu vestido branco. Tudo começou numa conversa. Inclusive já falamos algumas vezes sobre essa conversa. Acho que o seu cabelo estava um pouco mais comprido (hoje sei que ele cresce bem rápido). No início era uma roda de pessoas animadas com o começo do ano falando sobre tudo e qualquer coisa. Era verão, mal havia começado a primeira semana de aulas, as férias não tinham se despedido. Pelo menos não pra mim.
Uma apresentação, um nome errado, tentativas frustradas. “Não, o meu nome não é Marília.” “Tem certeza?”. “Como eu não vou saber o meu nome, guri!”. Sim, foi um começo engraçado. Não há melhor maneira de começar o amor do que com humor. O que é o amor senão uma brincadeira? Acho que é assim que deve ser, pelo menos no começo: leve, risonho, engraçado. Bom, foi assim. Ele falava bastante, eu falava bastante, a conversa fluía. Brincadeiras a parte, um cara legal.
Eu pensei: ‘Gostei desse cara.’ Nunca estive tão certa. Hoje, eu o amo com todas as minhas forças, com todo o calor e segurança que os meus olhos podem transmitir, com toda a imaturidade dos meus anos. Palavras durante toda a noite: na pista, no sofá, do lado da mesa de sinuca, em cima da mesa de sinuca. Palavras trocadas sem esforço, sem serem procuradas por muito tempo. Elas estavam ali, no começo da boca, pedindo para serem ditas, pedindo para que fossem puxadas por outras palavras. E assim foi. Depois da fala, veio o silêncio. Um pouco constrangedor para duas pessoas que haviam falado tanto e com tanta fluência. Sentamos lado a lado, pelo o que eu me lembro. ‘Eu gostei desse cara’. Não sei o que aconteceu primeiro, se fui eu que encostei a minha cabeça no seu ombro ou foi ele que se aproximou. Bom, mas de qualquer jeito, não podia ser. Não era legal, os dois sabíamos.
Mais uma festa, mais conversas. Até uma dança, uma quadrilha meio improvisada, divertida. Mais uma carona. Ele já tinha visto a minha mãe duas vezes e nem sequer éramos amigos, ou já éramos, não sei. É, as coisas sempre aconteceram meio rápido com a gente.
O resto foi a internet, acho. Planos mirabolantes envolvendo telemarketing, recados grandes sobre os assuntos mais improváveis: de ovos de páscoa a sotaques estranhos. Nunca nos faltou assunto, realmente.
Pulamos no tempo para aquele derradeiro 14 de agosto. Cumprimentos, nenhuma expectativa, alguma conversa. O lugar talvez estivesse lotado, estávamos perto demais, algo que eu percebi instantes antes. Seguiram-se as explicações sobre a minha semelhança com os meus pais, assunto idiota, eu sei, mas é que com ele eu consigo falar sobre tudo, sobre qualquer coisa. E então: um beijo. Longo, bom, certo. Quatro meses e alguns dias de beijos certos. Não há nada mais que eu poderia pedir.
Não quero mais nada do que esse rapaz, ou melhor, do que esse menino. Do que esses olhinhos pequenos que me olham de um jeito tão bom, tão verdadeiro. Não há nada mais do que esse sorriso de criança que aparece depois de poucas e certeiras cócegas. Eu decorei as suas caras sem sequer ter consciência de que o fazia. E aprendi que ele franze as sobrancelhas e, não sei como, encolhe aqueles olhinhos quando fica preocupado. A sua boca também muda, mas eu não sei explicar em palavras. Adoro quando ele diz que me ama em sequência, sem hesitar e várias e várias vezes. Adoro porque eu o amo do mesmo modo, em uma sequência infinita de declarações.
Adoro-o porque ele é sincero, porque ele me decifra muito melhor do que amigos de longa data. Adoro-o porque ele se empenha em me entender quando outros nem tentam. Adoro o seu jeito de falar, meio rouco e com um leve sotaque gaúcho. Adoro as nossas conversas, os nossos silêncios, os nossos momentos juntos. Odeio o Oceano Atlântico e os pedaços de terra que nos separam, porque assim não posso abraçá-lo, nem expressar todo o amor que sinto por ele do jeito que eu gostaria: com milhares de beijos, abraços, cafunés, olhares apaixonados, com intermináveis horas deitada ao seu lado, dormindo ou observando o seu sono.

Adoro-o porque o amo. Amo-o porque é ‘ele’, sem nenhum aprimoramento ou modificação, sem nenhum quê a mais ou a menos. Amo-o porque ele me cativou e comigo toda a doçura que os meus olhos podem ter.

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